Resumo do Sermão de Santo António aos peixes
Constituído o sermão por seis capítulos, muitos estudiosos tendem a estabelecer uma correspondência linear entre estes e as quatro partes da retórica clássica: exórdio (Cap. I), exposição (Cap. II e III), confirmação (Cap. IV e V) e peroração (Cap. VI).
Porém, atendendo a que o Padre António Vieira teve o cuidado de declarar que dividia o sermão em duas partes (início do Cap. II), o que se verifica é a existência de dois diferentes momentos de exposição e dois diferentes momentos de confirmação.
Assim, temos o primeiro momento de exposição no Cap. II, momento em que fala dos louvores dos peixes em geral, seguindo-se a respectiva confirmação, no Cap. III, com os louvores em particular (peixe de Tobias, rémora, torpedo e quatro-olhos). O segundo momento de exposição surge no Cap. IV, ao falar da repreensão dos vícios em geral, seguindo-se a respectiva confirmação, no Cap. V, com as repreensões em particular (roncadores, pegadores, voadores e polvo).
1. INTRODUÇÃO (Exórdio) - cap.I
A partir do conceito predicável "vós sois o sal da terra": "Santo António foi sal da terra e foi sal do mar."
2. DESENVOLVIMENTO (Exposição e Confirmação) - cap. II a V
"(...) para que procedamos com alguma clareza, dividirei, peixes, o vosso sermão em dois pontos: no primeiro louvar-vos-ei as vossas atitudes, no segundo repreender-vos-ei os vossos vícios."
2.1. LOUVOR DAS VIRTUDES
"Começando, pois, pelos vossos louvores, irmãos peixes, ..."
2.1.1. LOUVORES EM GERAL - cap. II (1.º momento da Exposição)
a) "ouvem e não falam"
b) "vós fostes os primeiros que Deus criou"
c) "e nas provisões (...) os primeiros nomeados foram os peixes"
d) "entre todos os animais do mundo, os peixes são os mais e os maiores"
e) "aquela obediência, com que chamados acudistes todos pela honra de vosso Criador e Senhor"
f) "aquela ordem, quietação e atencão com que ouvistes a palavra de Deus da boca do seu servo António. (...) Os homens perseguindo a António (...) e no mesmo tempo os peixes (...) acudindo a sua voz, atentos e suspensos às suas palavras, escutando com silêncio (...) o que não entendiam."
g) "só eles entre todos os animais se não domam nem domesticam"
2.1.2. LOUVORES EM PARTICULAR - cap. III (1.º momento da Confirmação)
2.1.2.1. SANTO PEIXE DE TOBIAS
"o fel era bom para curar da cegueira"; "o coração para lançar fora os demónios"
2.1.2.2. RÉMORA
"(...) se se pega ao leme de uma nau da índia (...) a prende e amarra mais que as mesmas âncoras, sem se poder mover, nem ir por diante."
2.1.2.3. TORPEDO
"Está o pescador com a cana na mão, o anzol no fundo e a bóia sobre a água, e em lhe picando na isca o torpedo, começa a lhe tremer o braço. Pode haver maior, mais breve e mais admirável efeito?"
2.1.2.4. QUATRO-OLHOS
"e como têm inimigos no mar e inimigos no ar, dobrou-lhes a natureza as sentinelas e deu-lhes dois olhos, que direitamente olhassem para cima, para se vigiarem das aves, e outros dois que direitamente olhassem para baixo, para se vigiarem dos peixes."
2.2. REPREENSÃO DOS VÍCIOS
"Antes, porém, que vos vades, assim como ouvistes os vossos louvores, ouvi também agora as vossas repreensões."
2.2.1. REPREENSÕES EM GERAL - cap. IV (2.º momento da Exposição)
a) "(...) é que vos comedes uns aos outros."
b) "Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos."
c) "Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande."
2.2.2. REPREENSÕES EM PARTICULAR - cap. V (2.º momento da Confirmação)
2.2.2.1. RONCADORES
"É possível que sendo vós uns peixinhos tão pequenos, haveis de ser as roncas do mar?"
2.2.2.2. PEGADORES
"Pegadores se chamam estes de que agora falo, e com grande propriedade, porque sendo pequenos, não só se chegam a outros maiores, mas de tal sorte se lhes pegam aos costados, que jamais os desferram."
2.2.2.3. VOADORES
"Dizei-me, voadores, não vos fez Deus para peixes? Pois porque vos meteis a ser aves? (...) Contentai-vos com o mar e com nadar, e não queirais voar, pois sois peixes."
2.2.2.4. POLVO
"E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa (...) o dito polvo é o maior traidor do mar."
3. CONCLUSÃO (Peroração) - cap. VI
"Com esta última advertência vos despido, ou me despido de vós, meus peixes. E para que vades consolados do sermão, que não sei quando ouvireis outro, quero-vos aliviar de uma desconsolação mui antiga, com que todos ficastes desde o tempo em que se publicou o Levítico."
Virtudes dos Peixes |
PEIXE DE TOBIAS
- o fel sara a cegueira;
- o coração lança fora os demónios;
RÉMORA
- tão pequeno no corpo e tão grande na força e no poder;
TORPEDO
- descarga eléctrica que faz tremer o braço do pescador;
QUATRO-OLHOS
- dois olhos voltados para cima para se vigiarem das aves;
- dois olhos voltados para baixo para se vigiarem dos peixes.
Defeitos dos Peixes |
RONCADORES
- embora tão pequenos roncam muito (simbolizam a arrogância e a soberba);
PEGADORES
- sendo pequenos, pregam-se nos maiores, não os largando mais (simbolizam o parasitismo);
VOADORES
- sendo peixes, também se metem a ser aves (simbolizam a presunção (vaidade) e a ambição);
POLVO
- com aparência de santo, é o maior traidor do mar (simboliza a traição).
Cultismo |
O CULTISMO, caracterizado por uma linguagem rebuscada, culta, extravagante, descritiva, serve-se sobretudo de três artifícios (jogo de palavras (ludismo verbal), jogo de imagens e jogo de construções) para esconder, sob um burilado excessivo da forma, uma temática estéril e banal. Trocadilhos, aliterações, homonímia, sinonímia, perífrases e extravagância de vocábulos são alguns dos artifícios de que se serve. É também designado por gongorismo devido ao escritor espanhol Luís de Gôngora, que serviu de modelo aos nossos poetas.
Conceptismo |
O CONCEPTISMO é, pois, caracterizado por um jogo de ideias ou conceitos, seguindo um raciocínio lógico, racionalista, que utiliza uma retórica aprimorada. Para tal, recorre a um conjunto de artifícios estilísticos como comparações, metáforas e imagens de enorme ousadia, ou ainda sinédoques e hipérboles, entre outros, que conduzem a uma tal densidade conceptual que obscurece o seu conteúdo. Um dos principais cultores do conceptismo foi o espanhol Quevedo.
Conceitos Predicáveis |
Os conceitos predicáveis consistem em «figuras» ou alegorias pelas quais se pode realizar uma pretensa demonstração de fé, ou verdades morais, ou até juízos proféticos. O processo, como notou António Sérgio, deriva da interpretação do Velho Testamento como conjunto de «prefigurações» do que narra o Novo Testamento. Depois, os passos bíblicos tornaram-se pretexto para construções mentais arbitrárias, em que brilha o virtuosismo do orador. (Coelho, Jacinto do Prado, DICIONÁRIO DA LITERATURA)
Alguns Recursos Estilísticos do P.e António Vieira
O SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES, do Padre António Vieira, é um discurso longo, tendo sido criado com a finalidade de ser pregado. Não sendo fácil manter um auditório atento durante muito tempo, compreende-se a necessidade do autor recorrer a um conjunto de artifícios que, valendo-se do uso de variações de intensidade e inflexão da voz, asseguram, na perfeição, a verificação permanente de que a assistência está em condições de continuar a ouvir atentamente o sermão.
Vejamos, pois, alguns dos recursos estilísticos de que se serviu o Padre António Vieira.
Vejamos, pois, alguns dos recursos estilísticos de que se serviu o Padre António Vieira.
Apostrofes:
Estes e outros louvores, estas e outras excelências de vossa geração e grandeza vos pudera dizer, ó peixes..."
"Ah moradores do Maranhão..."
"Esta é a língua, peixes, do vosso grande pregador (...)"
"Peixes, contente-se cada um com o seu elemento."
"Oh alma de António, que só vós tivestes asas e voastes sem perigo (...)"
"Vê, peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade (...)"
Antíteses:
Tanto pescar e tão pouco tremer!"
"No mar, pescam as canas, na terra pescam as varas (...)"
"(...) deu-lhes dois olhos, que direitamente olhassem para cima (...) e outros dois que direitamente olhassem para baixo (...)"
"A natureza deu-te a água, tu não quiseste senão o ar (...)"
"(...) traçou a traição às escuras, mas executou-a muito às claras."
"(...) António (...) o mais puro exemplar da candura, da sinceridade e da verdade, onde nunca houve dolo, fingimento ou engano."
"Oh que boa doutrina era esta para a terra, se eu não pregara para o mar!"
Comparações:
Certo que se a este peixe o vestiram de burel e o ataram com uma corda, parecia um retrato marítimo de Santo António."
"O que é a baleia entre os peixes, era o gigante Golias entre os homens."
"(...) com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge;
com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela;
com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura (...)"
"As cores, que no camaleão são gala, no polvo são malícia (...)"
"(...) e o salteador, que está de emboscada (...) lança-lhe os braços de repente, e fá-lo prisioneiro. Fizera mais Judas?"
"Vê, peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade, pois Judas em tua comparação já é menos traidor
Paralelismos e Anáforas:
Ou é porque o sal não salga, e os pregadores...;
ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes...
Ou é porque o sal não salga, e os pregadores...;
ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes...
Ou é porque o sal não salga, e os pregadores...;
ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes..."
"Deixa as praças, vai-se às praias;
deixa a terra, vai-se ao mar..."
"Quantos, correndo fortuna na Nau Soberba (...), se a língua de António, como rémora (...)
Quantos, embarcados na Nau Vingança (...), se a rémora da língua de António (...)
Quantos, navegando na Nau Cobiça (...), se a língua de António (...)
Quantos, na Nau Sensualidade (...), se a rémora da língua de António (...)"
"(...) com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge;
com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela;
com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura (...)"
"Se está nos limos, faz-se verde;
se está na areia, faz-se branco;
se está no lodo, faz-se pardo (...)"
Enumeração:
No mar, pescam as canas, na terra pescam as varas (e tanta sorte de varas); pescam as ginetas, pescam as bengalas, pescam os bastões e até os ceptros pescam (...)"
"(...) que também nelas há falsidades, enganos, fingimentos, embustes, ciladas e muito maiores e mais perniciosas traições."
"Eu falo, mas vós não ofendeis a Deus com palavras; eu lembro-me, mas não ofendeis a Deus com a memória; eu discorro, mas vós não ofendeis a Deus com o entendimento; eu quero, mas vós não ofendeis a Deus com a vontade."
Metáforas
"Esta é a língua, peixes, do vosso grande pregador, que também foi rémora vossa, enquanto o ouvistes; e porque agora está muda (...) se vêem e choram na terra tantos naufrágios."
"(...) pois às águias, que são os linces do ar (...) e aos linces que são as águias da terra (...)"
"(...) onde permite Deus que estejam vivendo em cegueira tantos milhares de gentes há tantos séculos?!"
" (...) vestir ou pintar as mesmas cores (...)"
"(...) e o polvo dos próprios braços faz as cordas
Paradoxos:
a terra e o mar tudo era mar."
"E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa (...) o dito polvo é o maior traidor do mar."
"hipocrisia tão santa"
Trocadilhos
Os homens tiveram entranhas para deitar Jonas ao mar, e o peixe recolheu nas entranhas a Jonas, para o levar vivo à terra."
"E porque nem aqui o deixavam os que o tinham deixado, primeiro deixou Lisboa, depois Coimbra, e finalmente Portugal."
"(...) o peixe abriu a boca contra quem se lavava, e Santo António abria a sua contra os que se não queriam lavar."
Interrogações retóricas
qual será, ou qual pode ser, a causa desta corrupção?"
"Não é tudo isto verdade?"
"(...) que se há-de fazer a este sal, e que se há-de fazer a esta terra?"
"Que faria neste caso o ânimo generoso do grande António? (...) Que faria logo? Retirar-se-ia? Calar-se-ia? Dissimularia? Daria tempo ao tempo?"
"(...) onde permite Deus que estejam vivendo em cegueira tantos milhares de gentes há tantos séculos?!"
Ironia
Mas ah sim, que me não lembrava! Eu não prego a vós, prego aos peixes."
"E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa (...) o dito polvo é o maior traidor do mar."
O Sermão de Santo António aos Peixes
Capítulo I
Exórdio ou Introdução: exposição do plano a desenvolver e das ideias a defender (ll.1-59).
Conceito Predicável: texto bíblico que serve de tema e que irá ser desenvolvido de acordo com a intenção e o objectivo do autor "Vos estis sal terrae".
Invocação: pedido de auxílio divino (ll.60-61).
As simetrias evidenciam e são um exemplo da estruturação do sermão um exercício mental da grande lógica, que permitem aos ouvintes atingirem mais facilmente o objectivo da mensagem nas respostas à justificação do facto de a terra estar corrompida e na resposta ao que se há-de fazer ao sal que não salga e à terra que se não deixa salgar.
Para atingir a inteligência dos ouvintes, o orador usa argumentos lógicos, sucessivas interrogações retóricas e a autoridade dos exemplos de Cristo, Santo António e da Bíblia. Para atingir o coração dos ouvintes, usa interjeições e exclamações.
Ao relatar o que fez Santo António quando foi perseguido em Arimino usa frases curtas (Deixa as praças, vai-se às praias…), ritmo binário, anáforas, enumeração.
É evidente que os tipos de frase têm relação directa com a entoação. A frase interrogativa termina num tom mais alto, a declarativa num tom mais baixo, etc.
O titulo do Sermão foi retirado do milagre ou lenda que se conta a respeito de Santo António. Este terá sido mal recebido numa pregação em Arimino, mesmo perseguido, e ter-se-á dirigido à praia e pregado o sermão aos peixes que o terão escutado atentamente, contrastando com os homens.
O pregador invocou Nossa Senhora porque era habitual fazê-lo e ainda porque o nome Maria quer dizer Senhora do mar; os ouvintes do sermão eram pescadores que A invocavam na faina da pesca.
Capítulo II
O sermão é uma alegoria porque os peixes são metáfora dos homens, as suas virtudes são por contraste metáfora dos defeitos dos homens e os seus vícios são directamente metáfora dos vícios dos homens. 0 pregador fala aos peixes, mas quem escuta são os homens.
Os peixes ouvem e não falam. Os homens falam muito e ouvem pouco.
O pregador argumenta de forma muito lógica. Partindo de duas propriedades do sal, divide o sermão em duas partes: o sal conserva o são, o pregador louva as virtudes dos peixes; o sal preserva da corrupção, o pregador repreende os vícios dos peixes. Para que fique claro que todo o sermão é uma alegoria, o pregador refere frequentemente os homens. Utiliza articuladores do discurso (assim, pois…), interrogações retóricas, anáforas, gradações crescentes, antíteses, etc. Demonstra as afirmações que faz tirando partido do contraste entre o bem e o mal, referindo palavras de S. Basílio, de Cristo, de Moisés, de Aristóteles e de St. Ambrósio, todas referidas aos louvores dos peixes. Confirma-as com vários exemplos: o dilúvio, o de Santo António, o de Jonas e o dos animais que se domesticam.
Virtudes que dependem sobretudo de Deus | Virtudes naturais dos peixes |
• foram as primeiras criaturas criadas por Deus • foram as primeiras criaturas nomeadas pelo homem • são os mais numerosos e os maiores • obediência, quietação, atenção, respeito e devoção com que ouviram a pregação de Santo António | • não se domam • não se domesticam • escaparam todos do dilúvio porque não tinham pecado |
Os peixes não foram castigados por Deus no dilúvio, sendo, por isso, exemplo para os homens que pouco ouvem e falam muito, pouco respeito têm pela palavra de Deus.
Evidencia-se que os animais que convivem com os homens foram castigados, estão domados e domesticados, sem liberdade.
Animais que se domesticam | Animais que vivem presos |
cavalo, boi, bugio, leões, tigres, aves que se criam e vivem com os homens, papagaio, rouxinol, açor, aves de rapina | rouxinol, papagaio, açor, bugio, cão, boi, cavalo, tigres e leões |
O discurso é pregado; por isso, envolve toda a pessoa do orador. Os gestos, a mímica, a posição do corpo - a linguagem não verbal - têm um lugar importante porque completam a mensagem transmitida.
Alguns Recursos de Estilo
- A antítese Céu/lnferno, que repete semanticamente a antítese bem/mal, está ligada quer à divisão do Sermão em duas partes, quer às duas finalidades globais do mesmo.
- A apóstrofe refere directamente o destinatário da mensagem e do pregador, aproximando os dois pólos da comunicação: emissor e receptor.
- A interrogação retórica como meio de convencer os ouvintes.
- A personificação dos peixes associada à apóstrofe e às atitudes dos mesmos.
- A gradação crescente na enumeração dos animais que vivem próximos dos homens mas presos.
- A comparação, "como peixes na água", tem o carácter de um provérbio que significa viver livremente.
Santo António foi muito humilde, aceitando sem revolta o abandono a que foi votado por todos, ele que conhecia a sua sabedoria. O pregador pretende condenar os homens que possuem vícios opostos às virtudes dos peixes.
Capítulo III
O peixe de Tobias | A Rémora | O Torpedo | O Quatro-Olhos |
Efeitos | |||
• sarou a cegueira do pai de Tobias • lançou fora os demónios | • pega-se ao leme de uma nau • prende a nau e amarra-a | • faz tremer o braço do pescador • não permite pescar | • defende-se dos peixes • defende-se das aves |
Comparação | |||
peixe de Tobias Santo António • alumiava e curava as cegueiras dos ouvintes • lançava os demónios fora de casa | Rémora Santo António • a língua de S. António domou a fúria das paixões humanas: Soberba, Vingança, Cobiça, Sensualidade | Torpedo Santo António • 22 pescadores tremeram ouvindo as palavras de S. António e converteram-se | Quatro-Olhos o pregador • o peixe ensinou o pregador e olhar para o Céu (para cima) e para o Inferno (para baixo) |
O pregador usa o imperativo verbal, a repetição anafórica, a exclamação, a apóstrofe, a leve ironia ("Mas ah sim, que me não lembrava! Eu não prego a vós, prego aos peixes!").
A língua de Santo António teve a força de dominar as paixões humanas, guiando a razão pelos caminhos do bem; foi o freio do cavalo porque impediu tantas pessoas de caírem nas mais variadas desgraças.
Imagens Elementos | Nau Soberba | Nau Vingança | Nau Cobiça | Nau Sensualidade |
Vocabulário essencial: • substantivos • adjectivos • verbos | • velas, vento • inchadas • desfazer, rebentavam | • artilharia, bota-fogos • abocada, acesos • corriam, queimariam | • gáveas • sobrecarregada, aberta • incapaz de fugir | • cerração • enganados • perder |
Efeitos do poder da língua de S. António | mão no leme | a sua língua detém a fúria | a sua língua detêm a cobiça | a sua língua contêm-nos |
Finalidade das interrogações | Convencer os ouvintes | |||
Comentário sobre cada imagem | Usadas sempre com a finalidade de chamar a atenção dos ouvintes para as várias tentações que precisam ser evitadas. |
A língua de Santo António foi a rémora dos ouvintes enquanto estes ouviram; quando o não ouvem, são atingidos por muitos naufrágios (desgraças morais).
Recursos estilísticos:
- Anáforas: Ah homens… Ah moradores… Quantos, correndo… Quantos, embarcados… Quantos, navegando… Quantos na nau… A interjeição visa atingir o coração dos ouvintes; a repetição do pronome indefinido realiza uma enumeração.
- Gradações: Nau Soberba, Nau Vingança, Nau Cobiça, Nau Sensualidade; "passa a virtude do peixezinho, da boca ao anzol, do anzol à linha, da linha à cana e da cana ao braço do pescador." O sentido é sempre uma intensificação para mais ou para menos.
- Antíteses: mar/terra, para cima/para baixo, Céu/Inferno. Palavras de sentido oposto indicam as duas direcções do sermão: peixes - homens, bem - mal.
- Comparações: "… parecia um retrato maritimo de Santo António"; o peixe de Tobias, com um burel e uma corda, era uma espécie de Santo António do mar: as suas virtudes eram como as de Santo António. "… unidos como os dois vidros de um relógio de areia,": o peixe Quatro-Olhos possuía grande visão e precisão.
- Metáforas: "… águias, que são os linces do ar; os linces, que são as águias da terra": sentido de rapidez e de visão excepcional.
Conclusão: os homens pescam muito e tremem pouco; 2ª. conclusão: "Se eu pregara aos homens e tivera a língua de Santo António, eu os fizera tremer." (Deve salientar-se que o verbo pescar é também metáfora de guerra; crítica aos holandeses.); 3ª. conclusão: "… se tenho fé e uso da razão, só devo olhar direitamente para cima, e só direitamente para baixo". Os peixes são o sustento dos membros de várias ordens religiosas. Há peixes para os ricos e peixes para os pobres. Esta distinção tem por finalidade criticar a exploração dos ricos sobre os pobres.
Capítulo IV
Para comprovar a tese de que os homens se comem uns aos outros, o orador usa uma lógica implacável, apelando para os conhecimentos dos ouvintes e dando exemplos concretos. Os seus ouvintes sabiam a verdade do que ele afirmava, pois conheciam que os peixes se comem uns aos outros, os maiores comem os mais pequenos. Além disso, cita frequentemente a Sagrada Escritura, em que se apoia. Lendo hoje este capitulo, assim como todo o Sermão, não se pode ficar indiferente à lógica da argumentação.
As conclusões são implacáveis, pois são fruto claríssimo dos argumentos usados.
O ritmo é variado: lento, rápido e muito rápido. Quando as frases são longas, o ritmo é repousado; quando as frases são curtas, quando se usam sucessivas anáforas nessas frases, o ritmo torna-se vivo, como acontece no exemplo do defunto e do réu. O discurso deste sermão, como doutros, é semelhante ao ondular das águas do mar: revoltas e vivas, espraiam-se depois pela areia como que espreguiçando-se. Uma das características maravilhosas do discurso de Vieira é a mudança de ritmo, que prende facilmente os ouvintes.
A repetição da forma verbal "vedes", que deverá ser acompanhada de um gesto expressivo, serve para criar na mente dos ouvintes (e dos leitores) um forte visualismo do espectáculo descrito.
O uso dos deícticos demonstrativos tem por objectivo localizar os actos referidos, levando os ouvintes a revê-los nos espaços onde acontecem. A substantivação do infinitivo verbal está também ao serviço do visualismo. O verbo deixa de indicar acção limitada para se transformar numa situação alargada.
Há uma passagem semelhante no momento em que o orador refere a necessidade de o bem comum prevalecer sobre o apetite particular: "Não vedes que contra vós se emalham…".
O orador expõe a repreensão e depois comprova-a como fez com a primeira repreensão: dá o exemplo dos peixes que caem tão facilmente no engodo da isca, passa em seguida para o exemplo dos homens que enganam facilmente os indígenas e para a facilidade com que estes se deixam enganar. A crítica à exploração dos negros é cerrada e implacável. Conclui, respondendo à interrogação que fez, afirmando que os peixes são muito cegos e ignorantes e apresenta, em contraste, o exemplo de Santo António, que nunca se deixou enganar pela vaidade do mundo, fazendo-se pobre e simples, e assim pescou muitos para salvação.
Capítulo V
Peixes | Defeitos | Argumentos | Exemplos de homens |
Os Roncadores | soberba orgulho | pequenos mas muita língua; facilmente pescados os peixes grandes têm pouca língua muita arrogância, pouca firmeza | Pedro Golias Caifás Pilatos |
Os Pegadores | parasitismo | vivem na dependência dos grandes, morrem com eles os grandes morrem porque comeram, os pequenos morrem sem terem comido | Toda a família da corte de Herodes Adão e Eva |
Os Voadores | presunção ambição | foram criados peixes e não aves são pescados como peixes e caçados como aves morrem queimados | Simão mago |
O Polvo | traição | ataca sempre de emboscada porque se disfarça | Judas |
Comparação entre os peixes e Santo António
Peixes | Santo António |
Os Roncadores: soberbos e orgulhosos, facilmente pescados | tendo tanto saber e tanto poder, não se orgulhou disso, antes se calou. Não foi abatido, mas a sua voz ficou para sempre |
Os Pegadores: parasitas, aduladores, pescados com os grandes | pegou-se com Cristo a Deus e tornou-se imortal |
Os Voadores: ambiciosos e presunçosos | tnha duas asas: a sabedoria natural e a sabedoria sobrenatural. Não as usou por ambição; foi considerado leigo e sem ciência, mas tornou-se sábio para sempre |
O Polvo: traidor | Foi o maior exemplo da candura, da sinceridade e verdade, onde nunca houve mentira |
Episódio do Polvo
Divisão em partes:
- Introdução: a aparência do polvo "O polvo… mansidão" (ll.177-179).
- Desenvolvimento: a realidade "E debaixo… pedra" (ll.179-187).
- Conclusão: a consequência "E daqui… fá-lo prisioneiro" (ll.187-189).
- Comparação: "Fizera… traidor" (ll.190-196).
A expressão "aparência tão modesta" traduz a aparente simplicidade e inocência do polvo, que encobre uma terrível realidade. O orador usa a ironia. A expressão "hipocrisia tão santa" contém em si um paradoxo: a hipocrisia nunca é santa; de novo, o orador usa uma fina e penetrante ironia: o polvo apresenta um ar de santo, mas encobre uma cruel realidade. Tem a máscara (que é o que quer dizer em grego hipócrita), o fingimento de inofensivo.
O mimetismo é o que o polvo usa para enganar: faz-se da cor do local ou dos objectos onde se instala.
No camaleão, o mimetismo é um artifício de defesa contra os agressores, no polvo é um artifício para atacar os peixes desacautelados.
O orador refere a lenda de Proteu para contrapor o mito à realidade: Proteu metamorfoseava-se para se defender de quem o perseguia; o polvo, ao contrário, usa essa qualidade para atacar.
Os deícticos demonstrativos implicam a linguagem gestual e têm por intenção criar o visualismo na mente dos ouvintes (leitores). A anáfora, repetição da mesma palavra em início de frase, insiste no mesmo visualismo.
Os verbos que se referem ao polvo estão no presente do indicativo, traduzindo uma realidade permanente e imutável; a forma "vai passando" gerúndio perifrástico, acentua a forma despreocupada dos outros peixes que lentamente passam pelo local onde se encontra o traidor; os verbos que se referem a Judas estão no pretérito perfeito do indicativo porque referem acções do passado. Há ainda o imperativo "Vê", que traduz uma interpelação directa ao polvo, tornando o discurso mais vivo.
O polvo nunca ataca frontalmente, mas sempre à traição: primeiro, cria um engano, que consiste em fazer-se das cores onde se encontra; depois, ataca os inocentes.
O texto deste capítulo segue a variedade de ritmos dos outros capítulos e apresenta os mesmos recursos para conseguir tal objectivo. Basta atentar no parágrafo que começa por "Rodeia a nau o tubarão… " e no texto referente ao polvo.
Elemento comum entre Judas e o polvo: a traição. Ambos foram vítimas deste defeito.
Elementos diferentes entre Judas e o polvo: Judas apenas abraçou Cristo, outros o prenderam; o polvo abraça e prende. Judas atraiçoou Cristo à luz das lanternas; o polvo escurece-se, roubando a luz para que os outros peixes não vejam as suas cores. A traição de Judas é de grau inferior à do polvo.
Capítulo VI
Peroração: conclusão com a utilização de um desfecho forte, capaz de impressionar o auditório e levá-lo a pôr em prática os ensinamentos do pregador.
Animais/Peixes | Peixes | Homens |
foram escolhidos para os sacrifícios estes podiam ir vivos para os sacrifícios ofereçam a Deus o ser sacrificado ofereçam a Deus o sangue e a vida | não foram escolhidos para os sacrifícios só poderiam ir mortos. Deus não quer que Lhe ofereçam coisa morta ofereçam a Deus não ser sacrificados ofereçam a Deus o respeito e a obediência | os homens também chegam mortos ao altar porque vão em pecado mortal. Assim, Deus não os quer. |
O orador quer que os homens imitem os peixes, isto é, guardem respeito e obediência a Deus. Numa palavra, pretende que os homens se convertam (metanóia).
Orador | Peixes |
tem inveja dos peixes ofende a Deus com palavras tem memória ofende a Deus com o pensamento ofende a Deus com a vontade não atinge o fim para que Deus o criou ofende a Deus | • têm mais vantagens do que o pregador • a sua bruteza é melhor do que a razão do orador • não ofendem a Deus com a memória • o seu instinto é melhor que o livre arbítrio do orador; não falam; não ofendem a Deus com o pensamento; não ofendem a Deus com a vontade; atingem sempre o fim para que Deus os criou • não ofendem a Deus |
As interrogações têm por objectivo atingirem preferencialmente a inteligência, enquanto as exclamações visam mais o sentimento dos ouvintes. As repetições põem em realce o paralelismo entre o orador e os peixes; as gradações intensificam um sentido.
A repetição do som /ai/ (11 vezes) cria uma atmosfera sonora cada vez mais intensa e optimista; a repetição das palavras "Louvai" e "Deus" apontam para a finalidade global do sermão: o louvor de Deus, que todos devem prestar. O verbo no imperativo realiza a função apelativa da linguagem: depois de ter inventariado os louvores e os defeitos dos peixes/homens, não poderia deixar de apelar aos ouvintes para que louvem a Deus. A escolha do hino Benedicite cumpre fielmente esse objectivo, encerrando o Sermão com um tom festivo, adequado à comemoração de Santo António, cuja festa se celebrava. A palavra Ámen significa "Assim seja", "que todos louvem a Deus". O quiasmo realizado na colocação em ordem inversa das palavras glória e graça sugere a transposição dos peixes para os homens: já que os peixes não são capazes de nenhuma dessas virtudes, sejam-no os homens. Sugere também uma mudança: a conversão (metanóia), porque só em graça os homens podem dar glória a Deus.